Nesta edição especial do "Fantastic Entrevista" estamos à conversa com Isabel Medina, uma das actrizes mais consagradas no nosso país. Actualmente podemos acompanhá-la em "Mundo ao Contrário" da TVI, mas estacara bem conhecida do público já fez parte de inúmeras produções nacionais, muitas delas verdadeiros marcos na ficção portuguesa. Recorde connosco a vida de Isabel Medina!
ENTREVISTA
1 - Para além de actriz é também argumentista, dramaturga e encenadora. Já fez teatro, cinema e televisão. Se lhe pedissem para descrever Isabel Medina, de que forma o faria?
Sou, desde pequena, muito curiosa, a
querer abarcar todos os conhecimentos relacionados com o Homem e o Mundo,
leitora quase compulsiva, frequentadora de todos os cursos, seminários,
encontros que me pudessem alargar o saber. Nasci, felizmente, em África, numa
época em que Portugal vivia os cinzentos e sombrios tempos da ditadura. Aprendi
com o meu pai que ignorância é escravatura, saber e informação são liberdade. Ele,
que me ensinou a ler aos dois anos, queria que um dia eu pudesse viver em
liberdade. A Arte é libertadora e foi esse o caminho que quis seguir. A Arte é
sempre revolucionária, e foi essa a minha escolha. Tudo a que me dedico tem a
ver com a criação. E sou feliz quando crio. Alimento-me, respiro, vivo. Tão
simples como isto: nesta sociedade global à beira do precipício, é a criação
que me dá força para continuar, e a família, força para amar.
2 –
Somam-se ao longo da sua carreira dezenas de peças de teatro. Como descreve a
sensação de representar num palco em oposição à representação em frente às
câmaras?
Representar num palco é completamente
diferente do que representar para a câmara, e ambos são estimulantes e
desafiadores. Mas até bastante tarde na
minha vida, não percebia qual a graça de fazer televisão, já que eu própria não
via, nem estava interessada. Por isso dedicava-me apenas ao Teatro, a essa
relação tão íntima e orgânica com o público! Mais tarde, quando finalmente
aceitei fazer televisão, percebi que o prazer de representar era grande, a
técnica e a procura da personagem é que eram diferentes. E apaixonei-me pela
interpretação frente às câmaras. Estes dois meios tão distintos – um orgânico e
irrepetível (o Teatro), outro mais mecânico e perene, mas igualmente criativo e
desafiador, não se podem comparar e são ambos necessários ao actor.
3- “Duarte e Companhia” é, hoje, uma das
séries de culto em Portugal. A que se deve este sucesso?
“Duarte e Companhia” foi uma pedra no
charco na programação da altura, pela irreverência, a dinâmica, o “nonsense” e a
alegria que transmitiu! Foi o “Monty Python” português… Quase sem meios e com
pouco dinheiro, a série venceu pela inocência e frescura, pela dedicação e boa
disposição do Rogério Ceitil e de toda a equipa! E também pela conjuntura
social, uma época em que eramos mais felizes.
4 - Acredita que hoje em
dia seria possível produzir um fenómeno semelhante a este?
Hoje não é impossível, mas mais difícil!
Os portugueses já não são um povo feliz e perderam a inocência! Existem
criadores mais jovens, inteligentes e irreverentes que estão a tentar encontrar
formatos novos que possam produzir um efeito semelhante. A verdade é que as
televisões generalistas têm medo de arriscar. “Odisseia” na RTP foi de louvar
e, no entanto, o público não aderiu! Talvez porque já não seja capaz de perceber
a graça inteligente, porque está deprimido e alienado, não sei. Mas “Odisseia”
fará história na ficção de humor em Portugal. Talvez venha a acontecer num dos
novos canais por cabo que saiba ousar. O Canal Q das Produções Fictícias é uma
possibilidade.
5- Fez parte das equipas que escreveram as séries “Jardim da Celeste” e “Ilha das Cores”, para a RTP2. Duas séries que marcaram duas gerações diferentes, mas que em ambos os casos provaram que é possível fazer-se programas educativos e em português. De que forma este tipo de projectos tem impacto na vida e educação dos mais novos?
Coordenei e supervisionei as equipas de
escritores dessas séries da RTP2. São ambas na linha pedagógica e lúdica da
“Rua Sésamo” e tenho orgulho em ter feito parte delas. Por trabalhar com uma
equipa notável, de que fazia parte a Teresa Paixão, Chefe do Departamento de
Infantis e Juvenis da RTP2, uma mulher muito sábia e criativa, que teve e tem
uma enorme aptidão para o cargo e que, como eu, acredita que saber e informação
são o que de mais importante há para uma educação em liberdade consciente.
Outra grande figura foi a Maria Emília Berderode Santos, Coordenadora
Pedagógica, infinitamente culta e preparada, rodeada de uma boa equipa de
psicólogas.
Trabalhar com estas duas grandes mulheres foi definitivo para o
sucesso de “O Jardim da Celeste”. Embora a Maria Emília não tenha feito parte de
“Ilha das Cores”, a sua herança contribuiu para o êxito da série. Ainda hoje se reconhece o impacto das
séries, já que foram produzidas com rigor, conhecimento profundo das crianças a
que se destinavam, através de estudos e experiências em escolas, trabalho sério
e com muito respeito por aqueles que serão o nosso futuro.
6 – Já esteve na “Paz dos Anjos”, sofreu alguns “Desencontros”, teve “Uma Casa em Fanicos”, contou a “Lenda da Garça”, provou “Morangos com Açúcar”, mas agora está com o “Mundo ao Contrário”. De que forma relaciona os seus primeiros passos em televisão com o momento que está a viver agora, na nova novela da TVI?
Tive realmente um percurso privilegiado,
já que entrei em novelas antes do começo das privadas, e numa altura em que
havia um cuidado especial em produzir bons textos e em que havia mais dinheiro
para os concretizar. A RTP tentava defender um serviço público de qualidade.
Com a entrada das privadas e a concorrência quase desleal que a RTP quis impor
perante a “ameaça” dos novos canais, esse cuidado foi perdido e abriram-se
portas a muitos disparates. Por outro lado, as privadas precisavam de
anunciantes e procuravam conquistá-los através de boas audiências. O Moniz
passou para a TVI e ali iniciou uma programação de ficção nacional, através de
novelas, que levaram a TVI ao comando da ficção em Portugal.
Trabalho de grande
mérito, que abriu mercado a actores, autores e restantes intervenientes, levando
os espectadores a largar as novelas brasileiras e a voltar-se para o que é
português. No entanto, julgo que houve neste empreendimento de peso, um
esboroar ao longo dos anos da qualidade dos textos, repetindo-se muito a mesma
fórmula e as mesmas caras. Claro que existiram óptimas novelas também. Mas a repetição
cansa. Não só o público como os criadores. Julgo que, neste momento, a Direcção
da TVI quer mudar a sua estratégia e alcançar públicos diferenciados para cada
um dos horários: 18h00, 21h30 e 23h00. E tive a sorte de ser convidada para
este “Mundo ao Contrário” em que reencontro um grande cuidado nos temas e nos
textos, o regresso às novelas que se identificam com as nossas gentes, um
elenco que não é repetitivo em relação aos elencos anteriores, um cuidado maior
na realização e na coordenação. Sinto-me realmente orgulhosa de fazer parte
deste projecto. É arriscado, audaz, contemporâneo e cheio de história e acção.
Não há uma personagem que não tenha a sua linha de história e tudo se cruza!
7 - “Mundo ao Contrário” assume-se como
uma novela diferente do habitual, mais adulta, com alguma violência, cenas de
sexo e drogas, daí o horário original de exibição ser os das 23h. Como está a
correr a experiência e qual a recetividade do público?
Está
a correr muito bem, a ser feita com paixão e dedicação. Quanto à receptividade
do público tem sido a esperada por nós. O 1º episódio foi um êxito e, ao passar
para o horário a que pertence, foi subindo diariamente o que prova que o
público das classes A/B está a aderir, funcionando o “boca a boca”, ou seja, uns
vão trazendo outros porque, a partir do momento em que começam a ver, ficam
agarrados. E garanto que a história é viciante e imprevisível.
8 - Já tinha participado numa produção
irreverente e diferente daquilo a que estava habituado, porém direcionada ao
público infanto-juvenil. Em “Morangos com Açúcar 3” foi a mãe da protagonista
da temporada mais vista da trama. Como recorda esses momentos e como foi
trabalhar com os mais novos?
Só posso dizer que nunca esquecerei
“Morangos com Açucar”. Foi uma das grandes temporadas dessa série, com um
elenco que perdurou, onde criei amizades para a vida, onde assisti ao
crescimento de actores, onde ainda não existiam rivalidades nem vedetismos. Foi
um tempo de aprendizagem e alegria, de grande conhecimento dos adolescentes
daquele tempo. A Mariana Monteiro ficou a “minha filhota” até hoje. A Helena
Costa, a Oceana Basílio, a Diana Chaves, o Paulo Rocha, a Inês Castelo Branco,
a Sara Prata, tantos, tantos, com quem continuei a trabalhar e a apreciar o esforço e o desejo de se tornarem
cada vez melhores. A única dor foi a perda do Francisco Adam de uma forma tão
trágica!
9- Em 2010 foi a “Glória” de “Meu Amor”,
a primeira novela portuguesa a ganhar um Emmy. Depois disso, também “Laços de Sangue”,
da SIC, acabou por ser premiada. Qual a importância deste reconhecimento para a
ficção nacional? Acha que estamos no bom caminho na produção de bons produtos
do audiovisual?
Acho que temos todas as hipóteses de
competir, neste campo das novelas, com outros países que as produzem. O único
problema é o investimento desigual que cada país faz. O orçamento de uma novela
brasileira é capaz de ser o mesmo que temos para três novelas ou mais! Mas em
criatividade, actores e técnicos, estamos em condições de ir à luta. Ainda sou
do tempo em que a RTP concorria a vários festivais com filmes (agora são
telefilmes, na altura eram feitos em película), séries e teatro. Ganhámos
imensos prémios em diferentes festivais na Europa e na América Latina, mas
pouca gente se recorda dos grandes profissionais desse tempo! É pena. Foi uma
idade de ouro da ficção portuguesa. Apesar da crise, ou por causa dela,
acredito que a ficção volte aos seus tempos áureos. Há gente nova com vontade
de dizer coisas, há muito bons profissionais, há garra. E existe um desejo de
mudança por parte dos responsáveis pelos conteúdos. “Mundo ao Contrário” é já
um bom passo.
10- Quais são os projectos que se seguem,
para além da telenovela?
Continuo com a Companhia de Teatro
“Escola de Mulheres”, que foi (mal) financiada, mas que continua forte na
persecução dos seus objectivos. Estou a terminar de escrever uma peça, mas não
vou revelar ainda nada sobre ela. E espero continuar a trabalhar em televisão…
EM
POUCAS PALAVRAS
Um ídolo… Todos os ídolos têm pés de barro. São
humanos!
Um destino… Índia
Um filme… “Sangue do Meu Sangue” de João Canijo
Uma personagem… A Blanche DuBois de “Um
Electrico Chamado Desejo” de Tennessee Williams
Uma música… “You’ve Got a Friend” pelo
James Taylor
Um sonho... Vislumbrar um futuro bom para o meu neto!
Uma tentação… Uma tentação tenta-se
sempre! Não fico a olhar para ela!
A Isabel Medina é... Isabel é "portadora da Luz", Medina é "cidade velha". Isabel Medina é a portadora da Luz na cidade velha!
FANTASTIC ENTREVISTA - Edição 36
Convidada: Isabel Medina
Produção: André
Fantastic 2013
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